Há uns dias, estava nos meus afazeres logísticos quando me entram umas pessoas porta dentro. Eram dois homens com mais de 30 anos. Vinham da loja da pesca, aqui ao lado. O mais baixo, questionou-me sobre uma bomba para encher pneus, só queria saber o preço, e o mais alto, que entretanto foi apreciando os artigos de tiro com arco, achando que era a sua vez de intervir, perguntou-me se eu achava que era possivel colocar um travão de disco na roda de trás da sua bicicleta. Retorqui que seria possivel se o quadro estivesse já preparado para o efeito, com bases para fixar a bomba do travão, caso contrário não seria fácil, mas não impossivel. Ao mesmo tempo, por detrás dos oculinhos redondos com astes cromadas, o companheiro mais baixo olhava, semiserrando os olhos, tentando descrutinar o preço das bestas expostas, faz a pergunta sacramental: "Isto atira muito longe?" Disse-lhe que não tinha bem a noção da distancia, pois como aquela besta era muito potente, não seria possivel determinar o trajeto e o espaço percorrido pelo projectil, sendo inclusivé virtualmente impossivel encontrá-lo depois de disparado. Naquele momento, o mais alto, curioso, resolve intervir, queria saber "coisas" sobre os arcos compound expostos. Lá expliquei genéricamente como funcionam, mencionando que o tiro com besta é mais fácil do que com o arco visto que há uma maior necessidade de treino com este do que com a outra arma, postura física, hábitos musculares etc... O cliente mais baixo avança destemido dizendo que, em miudo, nas colónias de férias tinha praticado com ambos e que eu estava redondamente enganado. O tiro com arco ou com besta era fácil não exigindo treino de maior com qualquer das armas. Ainda tentei dissuadi-lo de tão vincada opinião, mas não consegui, o homem manteve-se firme nas suas convicções arqueiras, apoiado por uma memória dos tempos de infante, praticante ocasional da modalidade, nas férias de verão. Resolvido que estava este assunto, o mais alto, - o não-praticante das artes arqueiras! -, volta à carga com a história do travão, referindo que tinha disco na frenta da bicicleta, mas que queria também colocar um na traseira, voltei a pronunciar-me sábiamente dizendo-lhe que era fundamental que o quadro da bicicleta tivesse numa das escoras as bases para colocar a bomba do travão e que, sem isso, dificilmente seria possivel, ao que ele responde como que gaguejando:
_ Sim, sim, estou a perceber... agora que o senhor fala nisso, estou a lembrar-me que tem lá umas coisas agarradas...uns... aaaa... ai comé-que-lhe-chamam?...aaaa.... uns PICLES!!! Pois pareceque qué isso que lhe chamam...Picles ! Parece que é...
E é agora caro leitor, que entra o grandioso Dizzy Gillespie tocando trompete. Eu, que estava atento ao que o meu interlocutor dizia, naquele momento imediatamente depois da palavra PICLES, enchi as bochechas tentando não explodir de riso, vindo-me de imediato à cabeça a imagem ridícula que estaria a fazer ali, de fronte para o cliente, com as bochechas dilatadas e a boca com os lábios cerrados para não deixar sair o ar, parecendo o famoso trompetista enquanto me lembrava da bicicleta com picles. Recuperado do choque inicial, ainda insuflado e com olhos à chinês por causa das bochechas, lá fui deixando sair a pressão devagarinho, apercebendo-me do ar incredulo do homem quando franziu o sobrolho, como quem diz: - Mas por que raio é que este gajo me está a fazer cara de cu?
Uma hora de Gillespie AQUI